terça-feira, 7 de junho de 2011

Memórias


A arte é formadora de pensamento. Segundo Susan Sontag, no documentário de Silvio Tendler - Utopia e Barbárie - "Nos dizem o que devemos pensar e então nos dizem que estas são nossas memórias". Isso traz uma profunda reflexão, uma operação mental na qual paramos e pensamos se na verdade não somos ensinados a lembrar, lembrar daquilo que é cômodo, lembrar-se do que nos foi dito, sem pensar nas barbáries. Silvio Tendler representa de maneira esplêndida a ideia de história agregada a arte, numa explosão de imagens impactantes, com foco no pós-segunda guerra, nas ditaduras, toda utopia e barbárie presente nesse período. Tendler usa de depoimentos de cineastas, escritores, ativistas, historiadores, sobreviventes. O modo de enxergar a tragédia política é na base de memórias, de lembranças, do sofrimento, da superação, da ação, do reagir reprimido. Na trama, o médico e biólogo Ivan Izquierdo diz: "Somos aquilo que nos lembramos, eu sou quem sou porque me lembro de ser quem sou, no momento em que eu esqueça de algum aspecto importante, da minha vida, dos episódios da minha vida ou de algo que a constitua, deixo de ser quem sou, se tenho uma doença de Alzheimer me despersonalizo, agora, além disso eu costumo acrescentar que também somos aquilo que escolhemos esquecer". Precisamos preservar nossa memória, preservar o que vivemos, o que vimos, o que ouvimos e necessitamos formar pensamentos, julgamentos acima de tudo, ter posicionamento, ter reação. Usar desses depoimentos tem um impacto tão positivo, tão formador, que passamos a entender a importância da arte como instrumento subjetivo das etapas históricas do mundo. É claro que, não podemos nos focar somente na arte, devemos ter o conhecimento técnico adequado para que possamos juntar as duas coisas e saber diferenciar aquilo que nos é posto e aquilo que nos é escondido. Há quem diga que nunca existiu o Holocausto, que todas as imagens, todas as gravações amadoras foram mera montagem, há também quem queira de volta a ditadura, mas e as pessoas que sumiram? Aqueles que foram torturados e eletrocutados? E as crianças, mulheres que foram estupradas? Quem não viveu o que essas pessoas viveram e sentiram para nos libertar de um regime ditatorial, crê que isso é bom. Onde estão as visões, onde está a indignação popular JUSTA? Vivemos em uma sociedade que banalizou o mal, banalizou a tortura, banalizou o preconceito, banalizou a dignidade humana. É tudo comum, tudo aceitável. 
Qual o sentido de viver sem atuar? A sociedade não tem mais uma utopia, as pessoas não tem utopias, vivem com base na realidade - "A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar". (Eduardo Galeano).
Galeano transmite o verdadeiro motivo para ser utopista, assim continuamos caminhando em busca de algo, em busca dos sonhos, dos ideais, do otimismo. Viver sem utopias é viver parado, encostado naquilo que te trazem, naquilo que lhe é mostrado, é viver sem impacto, viver sem ser algo mais que um ser humano. Viver sem utopias é parar de andar e esperar que alguém venha e lhe tome sua vida, alguém lhe dizer o que pensar e dizer que essas serão as suas memórias. 

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